Às Terças Com...

Cuidar

Ser generoso não é uma coisa de nada, nem um hábito mais ou menos implementado na sociedade com dia e hora marcados, ou sequer opção corriqueira como quem vai à loja comprar legumes e pelo caminho ajuda alguém com um resto de moedas do bolso, nem é um gesto vago em relação ao outro. A generosidade é mais honesta e carismática que tudo isso, mais bela, mais surpreendente.

Não está (só) nos gestos – isso é a dimensão visível da generosidade –, é parte de algumas pessoas e sobressai nelas como um sentido natural de se viver. Dar. De si. Ao outro. Mas dar o quê? Quanto? Quando? Quantas vezes? Para quê? Uma pergunta de cada vez.

Dar o que for preciso (e o que é necessário nem sempre é o que parece, como em tudo há que ir praticando). Dá o que o outro precisa, e não só o que é excesso para ti. Podes abdicar de um pouco do teu e partilhá-lo com quem tem ainda menos ou até quase nada. Como se sobrevive sem nada? É uma questão que me inquieta muito.

A generosidade está na lista das coisas incomensuráveis do mundo, não se mede com cotações, centímetros, passos, palmos (talvez com mãos dadas, mas não está provado cientificamente que isso possa ser inscrito numa unidade de medida finita). Nada poderia ser mais desafiante do que dares do que tens, partilhares do que é teu.

Dar com ou sem regularidade, indisciplinado e ao sabor do coração e da vontade de fazer algo que faça sentido para outro que não eu; ou dar com o rigor de quem sabe que todos os dias há quem precise de algo. Não há regras, tens de descobrir como o fazer.

Contas as vezes que abraças? Medes a distância que caminhas para ires aonde queres? Calculas quanto vale o sorriso que consegues despertar em alguém? Contabilizas os sonhos, o número de amigos, as lágrimas? Então não precisas de saber quantas vezes deves ser generoso, vai sendo sempre que puderes.

E para quê tudo isto? Para ti. Sim, dá para que isso te encha a vida. Para o(s) outro(s), essa multidão que podes ajudar numa vida. Voltamos ao pouco e ao muito: Tenho amigos generosos, tenho recebido deles tempo e ternura na medida certa, a minha. Penso tantas vezes que é um desperdício, porquê eu se há tantos mais que precisam com maior urgência, por que motivo sou abençoada com o dar sem medida daqueles a quem deveria ser eu a estender as mãos cheias de algo… Mas aprender a receber gestos de generosidade é tão importante quanto praticá-la: como uma mãe que faz existir o filho dando-lhe vida, vida essa que o filho é desafiado a agarrar com as mãos e o coração e o sorriso, e fazer sempre por seguir à risca essa ternura da mãe, vivendo o melhor que souber. A generosidade só vale na medida em que é um gesto para o outro, uma dádiva a que se agradece incorporando esse gesto em nós, no que somos e fazemos. Sejamos generosos.

Sofia Escourido