O dom do outro
O Papa Francisco, na sua mensagem para a Quaresma, fala-nos da Palavra como dom e do outro como dom. Diz-nos que Lázaro nos ensina que o outro é um dom.
Como assim?
Para quem como eu teve um filho com extensas limitações intelectuais, parece-me que isto é muito claro. O outro, com um funcionamento diferente, desafia a nossa capacidade de comunicar e obriga-nos a “descer”: a tomar consciência dos nossos próprios limites, aqueles que, toda a vida, escondemos mesmo de nós mesmos. Essa “descida” faz-nos descobrir a humanidade comum e alegrar-nos com pequenas coisas que nos libertam do mundo da competitividade e de ter que provar que somos melhores do que os outros.
Mas o outro só é dom se formos ao seu encontro, em vez de o classificar numa categoria que nos distingue e nos separa. Quando o outro é diferente por ser estrangeiro, ter uma deficiência, ser velho ou pobre ou tudo junto, temos tendência a fugir dele. Para não vivermos como o rico da parábola fazendo alarde do que temos e do que podemos, o desafio que se põe a cada um de nós, é acolher o que somos, com as nossas forças e as nossas fragilidades. A Palavra de Jesus refere que seremos julgados pela atenção que demos “aos pequeninos”, em linguagem actual, aos excluídos da sociedade.
Precisamos dum tempo como a Quaresma em que olhamos para as nossas vidas à luz da Palavra de Deus, “descemos” da nossa omnipotência, e agradecemos o dom do outro.
Uma jovem francesa, com uma deficiência motora grave, numa entrevista recente dizia: “A deficiência exige que eu faça o luto daquilo que nunca serei.” “A deficiência não é uma sorte, mas a vida com a deficiência pode revelar-se ser uma sorte: estar viva e ter oportunidade de ter encontros como eu tenho e amizades como as minhas. Se não tivesse esta deficiência, acho que não teria isto.” Marie Caroline Schürr, professora de inglês.
Todos precisamos de nos acolher como somos, para poder acolher os outros como iguais a nós e como um dom. E acolher o Outro, Aquele que nos dá a Vida e no-la dá em abundância. É na humildade da nossa pequenez que podemos chegar à consciência libertadora de que precisamos daquele Outro donde vem a alegria, a paz, a confiança e a esperança, entre outros tantos dons!
Neste Carnaval aceitemos, cheios de gratidão, brincar com todos: viver a alegria na simplicidade daquilo que nos une a todos na nossa humanidade – o sermos gente e sermos todos filhos de um Deus que nos ama.
Alice Caldeira Cabral