Às Terças Com...

A culpa, o mal e a esperança

As pessoas com deficiência foram, durante muito tempo, vistas como um castigo de Deus. No Evangelho de Domingo passado, líamos a história da cura do cego de nascença. Os discípulos perguntavam a Jesus quem tinha pecado, se ele ou os seus pais. Pessoalmente fico sempre espantada com a resposta desconcertante de Jesus: “Não foi culpa dele nem dos seus pais, mas isso aconteceu para que nele se manifestem as obras de Deus.” Vivi isso com o meu filho.

De facto a culpa angustia e oprime e paralisa-nos tornando difícil lidar com as dificuldades concretas que a situação que vivemos nos coloca. Especialmente no caso dum familiar próximo, filho, marido, ou outra pessoa de que cuidamos. Temos medo de não conseguir suportar. É preciso sair do círculo que nos fecha nesta busca para não nos deixarmos corroer por estes sentimentos, pois isso prejudica a nossa capacidade criativa de ultrapassar as dificuldades concretas que enfrentamos. O nosso coração fica empedernido e dói. Não temos disponibilidade para descobrir as alegrias da vida com o nosso filho, marido, familiar…

Neste tempo de Quaresma, a Igreja convida-nos, através da oração, a gritar, protestar, a ralhar com Deus, confiando-lhe o nosso sofrimento interior e estes nossos sentimentos. Pela fé sabemos que Ele nos ouve. Podemos falar com Ele com as mesmas palavras com que falamos entre nós – obrigado, desculpa, sim, por favor – e assim descobrir que o perdão é possível e que Deus perdoa mais facilmente que nós. Descobrir a esperança e a confiança.

Jean Vanier afirma que a angústia é um grito que nos pode levar a ficar mais envolvidos na verdade e ancorados no coração de Deus. Esse grito poderá ser a fonte duma nova unidade para a humanidade. 1

Difícil? Muito… Precisamos de pedir a Jesus que cure a nossa cegueira e transforme os nossos corações de pedra em corações de carne. Só Ele pode fazer isso. Deixou-nos o sacramento da reconciliação para nos ajudar neste caminho e assim renascermos para a vida

Aprender a viver com as limitações dos nossos corpos e sermos capazes de gestos de ternura e de cuidado em relação a quem, no quotidiano, nos desafia ou incomoda, não é fácil. Com Jesus é possível descobrirmos com alegria da manifestação das obras de Deus no meio do sofrimento e das coisas difíceis. Aprender a viver confiando e, como um cego, deixar-se guiar por Ele!

1 Jean Vanier, Acolher a nossa humanidade, 1998

Alice Cabral