Às Terças Com...

O senhor Costa foi à Missa

Os dicionários definem a coragem como “a capacidade de agir apesar do medo, do temor e da intimidação”. Se o medo e o temor se explicam por razões psicológicas e de insegurança ou incapacidade física, a intimidação explica-se diretamente pelo peso que a sociedade exerce quando maltrata, critica, injuria ou utiliza as armas do desdém e do sarcasmo. Pois bem, no caso do senhor Costa, era este último aspeto que o fazia encolher-se. Quanto aos outros, era aventureiro, decidido, imaginativo e sempre pronto para liderar quaisquer atividades lá da aldeia. O problema eram aqueles «respeitos humanos» quanto à religião, porque é sobretudo nesses assuntos que, no sul de Portugal, a influência social, especificamente em localidades pequenas em que toda a gente se conhece, produz maiores reações.

É desagradável andar nas bocas do mundo, ser assunto de conversa e de gozo. Naturalmente, a decisão é alinhar com os que criticam e não com os criticados. “Que é que eles irão pensar se eu começar a ir à Igreja”? E não havia meio de se decidir a ser diferente. O peso social era, de facto, enorme e a ninguém passava pela cabeça que houvesse uma mudança de atitude no senhor Costa. Os dias decorriam sempre iguais, ainda que ele já tivesse segredado a alguns amigos que, lá no fundo, uma espécie de remorso lhe andava a roer a alma, provocando-lhe a vontade de experimentar ser diferente, enfrentando os críticos. Tal como eu, também ele sabia que a coragem é filha da prudência, não da temeridade, e que é por isso que é mais frequente conhecermos as pessoas corajosas nas pequenas coisas do que nas grandes.

Tal como eu, também ele sabia que há mais marés que marinheiros! E foi isso que aconteceu. Só teve que esperar a ocasião. O funeral de um parente abriu-lhe as portas. Foi ao funeral e – o que espantou muitos homens – entrou na Igreja e assistiu à Missa de corpo presente. Não se lembrava de alguma vez o ter feito. É claro que não percebeu nada, mas fazia como via fazer. Sentava-se, ajoelhava-se, punha-se de pé… só não respondia porque não sabia. E, a partir dessa tarde, perdeu os «respeitos humanos». Mas não foi fácil. Havia já muito tempo que não “gastava” daquele supermercado (a Igreja da Paróquia) e era com vergonha de ser apelidado beato que se tinha refugiado no grupo dos não praticantes, julgando que essa era a melhor forma de viver a vida, sem compromissos nem subserviências.

Partilhava a opinião de quem criticava os que “não tinham mais nada que fazer do que andar na Igreja” e achava que os fins-de-semana eram para correr para a praia ou apostar forte nas festas, nas comezainas e em passeios. Até esse dia, o senhor Costa conhecia a palavra «coragem» só de a pronunciar, que, de atitude, nem sinais! No entanto, é ele que, agora, incentiva alguns amigos dizendo-lhes que não é loucura caminhar com as próprias pernas. Loucura é deixar-se levar pelo rebanho, sem nunca questionar o percurso. O senhor Costa acha, agora, que a coragem é a sua irmã gémea e já compreende a afirmação de Vergílio Ferreira: “Há a coragem física que se chama robustez, e há a coragem moral que se chama fortaleza. De uma à outra vai a distância de um homem”.

Cón. Manuel Maria