Príncipe da paz
«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; (…) Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz.» (Is, 9).
Estes versículos transcritos são parte da primeira leitura da liturgia (memória facultativa) de hoje que celebra “A Virgem Santa Maria, Rainha”, ou, mais correcto seria dizer, a Realeza de Maria e que a Igreja colocou na oitava da solenidade da Assunção da Virgem, a imagem mais expressiva da realeza que Maria herdou do Ressuscitado e à qual todos nós estamos destinados desde o dia do nosso baptismo.
Nos tempos que correm, o fenómeno político e cultural da realeza e das instituições monárquicas que a representam e exibem parece, a uma significativa maioria, uma realidade de outros tempos que só o peso secular dos anos e a força cultural em que assenta lhe oferecem ainda credibilidade histórica. Até no domínio das imagens religiosas, incluindo as que a Igreja Católica continua a usar, há um claro desgaste e uma, por vezes, inadequada utilização. Talvez, por isso mesmo, alguém se pergunte por que razão as retomamos aqui neste espaço. É, pois, para as purificar do seu sentido profano e as restituir à sua acepção bíblica e simbólica que optámos por o fazer, mas também pelo seu, ainda hoje, importante significado espiritual.
«Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus» (Mateus 4.12-17). A promessa do Reino dos Céus, que supõe, naturalmente, a conversão enquanto metanóia, está entre as primeiras novidades associadas ao anúncio da boa-nova, a feliz notícia, que nos é proposta por Jesus Cristo. Daí decorre a natureza real da condição de baptizado e o facto que o mesmo baptismo nos constitua num sacerdócio real.
«Ou ignorais que todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Pelo Baptismo fomos, pois, sepultados com Ele na morte para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova. De facto se estamos integrados nele por uma morte idêntica à sua, também o estaremos pela sua ressurreição.» (Rm. 6, 3-5).
A vida nova que recebemos pelo Baptismo é, pois, a verdadeira realeza que herdámos pela pertença ao Reino Céus anunciado. E a Ressurreição na qual participamos é, assim, a nova condição real e sacerdotal a que o mesmo Baptismo nos destina já, no tempo e na história e depois na eternidade. Compreende-se então a ligação entre a solenidade da Assunção de Maria aos Céus, qual esplendor da sua participação na Ressurreição e na Realeza de Cristo (ver Isaías citado) e a celebração litúrgica da Virgem Santa Maria, Rainha.
Cón. Silvestre
Fra Angelico – A COROAÇÃO DA VIRGEM MARIA