Este ano vai ser particularmente difícil para a Igreja portuguesa. E sê-lo-á por quatro razões fundamentais que incluem o contexto e as causas emergentes.
Em primeiro lugar, porque temos, objectivamente, muitos erros em carteira e um histórico de “pontos fracos”. Como instituição milenar podemos invocar a inevitabilidade de “bagagem embaraçosa”. E é um argumento razoável para quem esteja de boa fé. Não convém que o foco nos pontos fracos faça perder de vista os muitos pontos luminosos da História da Igreja e o seu contributo ímpar e inquestionável para o que se convencionou chamar “Civilização Ocidental”, mas estes não anulam, nem desculpam, aqueles.
Também é certo que houve, nas últimas décadas, transformações profundas na sensibilidade cultural, ética e política que arrinconaram as posições cristãs à condição minoritária e, portanto, mais expostas à crítica externa, muitas vezes desprovida de compreensão dos fundamentos invocáveis.
Em terceiro lugar, temos problemas internos incontornáveis que estão à vista de todos: uma cisão interna entre visões mais ‘conservadoras’ ou ‘progresssistas’, em que temas como o celibato sacerdotal, o lugar da mulher, a homossexualidade ou a moral familiar estão longe de consensos razoáveis. E, claro, a pedofilia que é o drama maior para a Igreja de hoje.
Por último, temos a circunstância próxima: em Agosto teremos as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa.
A Igreja portuguesa vai estar debaixo dos holofotes como nunca esteve. E isso não tem de ser mau, mas uma oportunidade para ser o que deve ser.
Na comunicação social, o habitual é “ir à sacristia” quando há falta de assunto. Nos dias de “mar flat” noticioso, há sempre um padre escandaloso, uma fundação com contas irregulares ou um rumor de qualquer coisa suculenta nos entrefolhos dos paramentos. Fácil.
Daqui até às Jornadas Mundiais da Juventude teremos um “canhão da Nazaré”. Ondas e mais ondas de matérias suculentas, exploradas até à náusea.
Daqui a semanas será público o relatório da Comissão Independente sobre a pedofilia. Em Portugal não somos mais santos que nos outros países e, por isso, virão ao de cima umas centenas de casos escabrosos. Cada um deles é um crime indesculpável e uma profunda vergonha para todos os que nos afirmamos cristãos. E teremos de lidar com isso. Em primeiro lugar, assumindo que devíamos ter visto, denunciado, alertado. Em segundo lugar, afirmando um compromisso inequívoco de estarmos mais atentos, vigilantes e empenhados na denúncia clara de eventuais comportamentos suspeitos presentes e futuros.
Em segundo lugar, não faltarão as suspeitas sobre os “altares”, as despesas suportadas pelo erário público e as potenciais falhas na transparência económica de um acontecimento com a escala das JMJ. Compete à Igreja portuguesa tudo fazer para que todo o processo seja o mais honesto e cristalino possível.
A isto se juntarão as mais criativas investigações sobre as instituições eclesiais, os seus métodos, financiamentos e fragilidades.
E tudo isto faz parte. E tudo isto é bem-vindo. Virão ao de cima alguns erros, debilidades e atropelos. E será ocasião de melhorar, corrigir e implementar formas mais transparentes, profissionais e proféticas de ser Igreja.
Estaremos cá em Setembro e depois disso. E também aprenderemos. Por tudo o que somos e para todos os que existimos. Não temos de ter medo da luz.