A Semana Santa 2023 e o Tríduo Pascal 2023 foram celebrados e vividos em pleno na Catedral de Évora, assim como por toda a Arquidiocese.
Transcrevemos aqui as Homilias proferidas pelo Arcebispo de Évora, nas celebrações presididas na Sé Metropolitana:
HOMILIA
Catedral de Évora
Domingo de Ramos – 02/04/2023
Com a celebração do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor, damos início à Semana Santa, onde somos convidados a fixar o nosso olhar na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. A Liturgia da Semana Santa inicia e termina com um evangelho de festa, marcado pela alegria. Iniciamos a celebração deste Domingo com a proclamação do Evangelho que narra a entrada de Jesus em Jerusalém onde é aclamado com brados de alegria e jubilo; «Hossana ao Filho de David! Bendito O que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!» e na soleníssima Vigília Pascal havemos de escutar o solene anúncio da Ressurreição gloriosa. Contudo, esta moldura de alegria e de festa encerra no seu interior o duro caminho da paixão e morte que escutamos no Evangelho segundo S. Mateus.
Na nossa meditação destacaremos os elementos que são exclusivos deste evangelista.
- O primeiro elemento extremamente importante, é que S. Mateus, ao longo da sua narração observa que tudo o que está a acontecer a Jesus foi previsto pelos profetas; tudo estava escrito no Antigo Testamento. Por exemplo, quando ainda está sentado à mesa, durante a Última Ceia, Jesus pronuncia uma frase que serve como explicação de tudo o que acontecerá em seguida: «O Filho do Homem segue o seu caminho, conforme está escrito» (26, 24). Em seguida no Jardim da Oliveiras, quando os guardas se aproximam para O prender como se fosse um bandido, Jesus reage dizendo: «Tudo isto acontece para que se cumpram as escrituras dos profetas» (26, 25). Também os outros evangelistas se referem ao cumprimento das escrituras, mas é Mateus que destaca o facto com maior insistência, pois escreve a sua narrativa, sobretudo para os judeus, que bem conheciam as promessas veterotestamentais.
O segundo ensinamento típico de S. Mateus é o seu não à violência e ao uso das armas. Só ele nos relata a frase de Jesus dirigida a Pedro, que tinha empunhado a espada para o defender: «Mete a tua espada na bainha, porque todos aqueles que usam a espada, perecerão pela espada» (26,52).
Tertuliano, um cristão famoso dos primeiros séculos, fazia este comentário: «Desarmado Pedro, Jesus tirou as armas de todos os soldados». E Orígenes do mesmo período dizia: «Nós cristãos já não empunhamos a espada, deixamos de aprender a arte da guerra, porque através de Jesus nos tornámos filhos da paz».
Os primeiros cristãos não tinham dúvidas: o discípulo de Cristo deve estar disposto, como o Mestre, a dar a vida pelo irmão, e jamais a matá-lo, seja porque motivo for.
Um terceiro detalhe que S. Mateus se esmera em sublinhar é de que o antigo Israel continua no novo povo de Deus. Sobre esta continuação há dois factos narrados por ele: O sonho da mulher de Pilatos e o gesto de Pilatos de lavar as mãos (27, 19.24). São dois detalhes que indicam a responsabilidade que o seu povo assumiu em relação à morte de Jesus. Mateus lembra ainda a frase: «O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (27,25).
Quando não defendemos o irmão acusado ou maltratado injustamente, quando consentimos qualquer forma de violência contra o ser humano, fazemos cair sobre nós mesmos e sobre os nossos filhos, o sangue de Cristo.
Só S. Mateus narra os factos extraordinários que ocorrem com a morte de Jesus: «A terra tremeu, as rochas partiram-se, os mortos ressuscitaram…» (Mt 27, 51-56). Naquele tempo pensava-se que o mundo seria recriado pelo Messias, embora estivesse cheio de iniquidade e todos esperavam pelo surgir de um mundo novo.
Dizia-se que, no momento da passagem entre as duas épocas da humanidade, o sol escureceria, as árvores derramariam sangue, as pedras quebrariam e os mortos ressuscitariam. O que S. Mateus narra, não deve ser interpretado como informação de um cronista, mas como afirmação de um teólogo que reconhece que, na hora da morte de Jesus, surgiu um mundo novo. De facto, experimentamos que diante de tantos sofrimentos, de tantas angústias, de tantas injustiças que os homens devem suportar, nós também nos sentimos levados ao desânimo. S. Mateus recorda-nos, porém, que o mundo novo já começou no momento da morte e da ressurreição de Cristo, embora a sua plena manifestação ainda esteja longe.
- Estimados Irmãos e Irmãs, estamos na derradeira etapa do caminho central da Quaresma, pois o Domingo de Ramos, pórtico da Semana Santa, é ainda um domingo quaresmal. Ao longo dos quarenta dias fomos animados a treinar o jejum, intensificar a oração e a praticar a esmola. Estes três pontos de esforço servem de motivação para reconhecer o excesso de amor que por nós tem o Senhor, para que cresçamos e amadureçamos na disponibilidade interior que faz de Deus o motor da nossa vida.
A Paixão segundo S. Mateus dirige-se a uma comunidade de crentes que procura ler os acontecimentos à luz das Escrituras e da fé da Igreja. Como o centurião e os que estavam com ele, perante os acontecimentos, aprendemos a reconhecer o Crucificado como Filho de Deus: «Verdadeiramente este era Filho de Deus!».
A morte de Jesus é uma prova do excesso de amor, o ponto máximo do amor gratuito, «o amor na sua forma mais radical», como escreveu o Papa Bento XVI (no nº 12 da Carta Encíclica sobre o amor cristão) e que nós apendemos a dizer com a palavra caridade. Esta consciência de que Jesus Cristo, «o próprio Deus se entregou por nós até à morte, deve induzir-nos a viver, não mais para nós mesmos, mas para Ele e, com Ele, para os outros» (número 33). Porque ser cristão é assumir o compromisso de espalhar o amor de Deus, no mundo, a começar pelo cuidado dos pobres.
O nosso Deus não nos desilude e a confiança que depositamos nele há-de abrir-nos ao horizonte de alegria e de festa que a Páscoa do Senhor nos aponta. Se Jesus nos convida à alegria e à felicidade, à conversão e à santidade, também desce à dor e ao sofrimento para nos ensinar a arte de estar ali onde o amor se faz mais exigente. Jesus sobe até à cruz, abraça a dor e o sofrimento, porque o amor é tanto mais verdadeiro, quanto mais se realiza em gestos concretos de compaixão e misericórdia. Entre os muitos deveres do amor está aquele primeiro de estar ali, precisamente ali, onde está o amado. Por isso, Jesus vai até ao sofrimento e à morte, porque Ele sabe que a nossa frágil humanidade atravessa caminhos de dor e sofrimento. Contudo, também aprendemos com Jesus que a nossa dor e sofrimento se abrem à alegria pascal que a manhã de Páscoa nos há-de trazer.
- Sobre a terra, no meio dos nossos limites e fracassos, é tempo de caminhar humilde e confiadamente a estrada da fragilidade fortalecida pelo amor e pela graça e, um dia, havemos de compreender ou pelo menos entrever não o «porquê?», mas o «para quê?» destes tempos difíceis e exigentes. Durante a paixão e morte de Jesus os discípulos não foram capazes de compreender o modo livre, disponível e confiante com que Jesus se entregava à vontade do Pai, mas na manhã de Páscoa e na força transformadora do dia de Pentecostes os discípulos viram abrir-se os seus olhos e os seus corações para a alegria nova que o amor transporta. Por isso, que as horas exigentes de dor e desilusão nos conduzam sempre ao dia esplendoroso, onde celebraremos juntos a alegria do amor que vence as trevas e que enche de esperança as nossas vidas. «Hossana ao Filho de David…».
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
HOMILIA MISSA CRISMAL
Catedral de Évora, 6 de abril 2023
Saúdo-vos a todos com a “alegria cristã de nos reunirmos em nome do Senhor, para celebrarmos a Missa Crismal, em Quinta-feira Santa. Bendito seja Deus por cada um de vós. Bendito seja Deus pelo Presbitério Eborense e por todos os que nos acompanham no Amor Fraterno da oração e do serviço.
- No Evangelho que acabámos de acolher, Jesus assume-se como o “Hoje” de Deus, Ele é o cumprimento pleno das promessas do Pai. N’Ele repousa a fidelidade daquele que prometeu enviar o Seu Ungido “a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da ação libertadora do nosso Deus”.
Com Cristo, iniciaram-se os Novos Tempos, um “Ano da Graça”, que é o tempo da redenção e de Paz universal, o kairós da misericórdia de Deus. O anúncio messiânico de salvação que Jesus assume como cumprimento, implica a salvação do homem todo e de todos os homens. O mesmo Espírito de Deus que O ungiu, desceu sobre a Igreja em Dia de Pentecostes, constituindo a Igreja como Comunidade de Discípulos Missionários. Assim, como Cristo é o enviado do Pai, a Igreja é enviada, por Cristo, como portadora da Boa Nova, “Sacramento Universal de Salvação”.
Como ensina o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no seu número 41, “nenhuma lei humana pode assegurar a dignidade pessoal e a liberdade do Homem como o fez o Evangelho de Cristo confiado à Igreja”. Eis a missão dos discípulos de Cristo: testemunhar com a vida o Evangelho, anunciado com a Palavra.
Caros irmãos, presbíteros, como vimos refletindo há quatro anos nos nossos Planos Pastorais, e pelos quais damos graças, cada um de nós é chamado pelo Senhor a ser Discípulo Missionário, cuidando da nossa filiação divina com todo o empenho. A nossa condição de batizados é primordial na experiência libertadora que fazemos como filhos amados de Deus. Não deixemos que as preocupações próprias do exercício do ministério, assumido com o Sacramento da Ordem, nos façam esquecer ou prescindir deste respirar quotidiano de Filhos de Deus, templos do Espírito Santo e herdeiros do Eterno. Que a vinculação ao estado clerical e eclesiástico, nunca nos roube a alegria e o vigor que nos vem da renovada vivência dos Sacramentos da Iniciação Cristã. Que cada Eucaristia que temos a felicidade de celebrar nos centre sempre de novo em Cristo e nos torne disponíveis para o serviço do Lava-pés a todos os irmãos. Beijemos o altar, o Evangeliário, os irmãos no ósculo da Paz, o Crucifixo e, hoje, os pés dos irmãos, com o renovado amor com que Cristo nos abraça em cada Eucaristia.
Nós somos essencialmente discípulos e vocacionalmente missionários. Esta dupla dimensão assinala a nossa estrutural dependência de Cristo e a conatural pertença e relação com o povo. O Presbítero sendo membro do povo de Deus, torna presente Cristo no seu povo. Assim, tudo em nós, tem de saber a Cristo. Tudo tem de respirar Cristo. Nós estamos, definitivamente, «tatuados» por Cristo. O que o sacerdote recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. A novidade de Cristo, como adverte Walter Kasper, está não tanto na Sua mensagem, mas sobretudo na Sua conduta. Jesus dizia o que vivia e vivia o que dizia. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo.
Qual é, então, a nossa prioridade? A nossa prioridade é estar com Cristo. Aliás, o Evangelho anota que, antes de os enviar em missão, Jesus quis que os Doze vivessem em comunidade com Ele (cf. Mc 3, 14). Para ser discípulo de Cristo, é preciso ser recetáculo de Cristo. Parafraseando Sto. Inácio de Antioquia, diremos que todo o padre tem de ser «cristóforo», aquele que traz Cristo. Só quem traz Cristo pode dar Cristo. Todas as dependências são opressoras. Há, contudo, uma exceção: a dependência de Cristo. Só a dependência de Cristo é libertadora. O padre opta por ser inteiramente de Cristo. Ser padre é ser, pois, «cristocêntrico». Centrar-se em Cristo é a porta para aceitar até o que aparentemente não tem aceitação justificável e a chave para compreender até o que parece não ter compreensão possível. O mistério e o ministério do padre pode ser incompreensível para muitos. Só em Cristo, conseguimos amar e servir os que não nos compreendem. Só em Cristo conseguimos compreender o que nos dói aceitar. Se o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é normal que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Torna-se, portanto, compreensível que o padre seja acompanhado pelo humanamente incompreensível. Mas se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da nossa vida? Ele exprimiu com clareza a sua identidade, quando disse: “o meu reino não é deste mundo» e se referia ao «príncipe das trevas» como «príncipe deste mundo».
- A autêntica espiritualidade do presbítero só pode ser alimentada e vivida através do cumprimento do seu ministério, ou seja, o presbítero cresce na fé e aprofunda a sua espiritualidade pelo exercício diário do seu ministério. Não existe «autarquia ministerial». O padre não age em seu nome. Não é gestor de uma carreira nem promotor dos seus interesses. Não está onde quer, mas onde são claros e discernidos os sinais de Deus que a Igreja lhe confirma e indica. Não vive para si, mas para Deus no seu povo, ama a Igreja e dá a vida, sabendo que a medida do Amor é amar sem medida.
Convém interiorizar que a eficácia do nosso ministério está condicionada pela autenticidade e pela fidelidade com que o vivemos, ou seja, uma maior ou menos fidelidade ao Evangelho no exercício do nosso ministério influencia claramente na evangelização, na presidência da comunidade ou na celebração dos Sacramentos, como nos referem a Presbyterorum Ordinis (nº12) e a Pastores Dabo Vobis (nº 25). E vice-versa: o que fazemos como presbíteros é parte integrante da nossa espiritualidade e é determinante para a nossa santificação; vivendo plenamente o nosso ministério, realizamo-nos como homens espirituais e, por isso, santificamo-nos; e mais, acolhemos os dons e carismas que Deus dá àqueles que a elas se abrem.
- Tendo presente beleza da nossa vocação e do Sim que ao modo de Maria, várias vezes pronunciamos no ritual das nossas promessas sacerdotais, no inesquecível dia da nossa ordenação, permiti caros presbíteros que relembre e tire algumas conclusões das nossas radicais decisões e compromissos. Faço-o para mim e para vós, perante os desafios do nosso ministério.
Como não há Pastoral sem pastores, é de suma importância que eles surjam em quantidade e sobretudo em qualidade. Quanto a esta última, a prioridade está sobretudo na maturidade humana e cristã, lucidez e dedicação. As relações entre os pastores são vitais para o êxito da Pastoral. Os pastores nunca podem estar desligados e jamais se hão-de sentir abandonados, nem por Deus, nem pelo Bispo, nem pelos colegas, nem pelos fiéis. Do que efetivamente necessitamos é de pastores segundo o coração de Deus (cf. Jer 3, 15) e à imagem do coração do Filho de Deus (cf. Mt 11, 29). Só na oração nos encontramos com o Amor inesgotável que nos ama como somos e jamais se cansa das nossas fraquezas, permaneçamos na fidelidade. Será desta vivência e da alegria que brota desta unidade de vida e ministério que nascerão as vocações daqueles que nos sucederão na nossa missão.
Não sendo um exclusivo dos pastores, a Pastoral não subsiste sem pastores, há dimensões eclesiais em que os presbíteros não poderão ser dispensados. É sobretudo o caso da paternidade espiritual, da celebração da Eucaristia que faz a Igreja e dos Sacramentos do perdão e da cura: a Reconciliação e a Santa Unção. O seu tríplice múnus de ensinar, santificar e conduzir a comunidade cristã no discernimento, na comunhão e na paz dos irmãos é imprescindível às comunidades cristãs e permanece desde as suas origens.
A partir da ordenação, nos pastores, nada neles é só deles; tudo neles é de Cristo. Desde o plano ontológico até ao plano existencial, não é o padre que vive, é Cristo que vive nele (cf. Gál 2, 20) e, por ele, em todos os que dele se aproximam, daí a sua incontornável importância.
No mundo, o padre é chamado a ser presença de Cristo. Isto significa que, no mundo, o padre é sinal de outro Reino. O nosso Papa Francisco tem-se referido a esta dimensão profética da Igreja: «Não à sua mundanização! Isto significa estar no tempo, mas sem ser do mundo, ser para o mundo».
Acontece que, nas comunidades, alguns costumam relevar (quase exclusivamente) a função. No limite, tornam-nos como funcionários a quem pedem que façamos o que nos exigem e a quem mal dão oportunidade para fazer o que devemos. E é assim que aquele que está chamado a ser um promotor de encontros passa por vezes, grande parte do tempo, a gerir desencontros com antagónicos entre interessas humanos.
É decisivo que a realidade sacramental se repercuta no testemunho vivencial. O que o padre recebe no sacramento tem de se tornar visível na vida. Na missão, a competência é muito, mas a vivência é tudo. Por isso importa que organizemos sinodalmente as comunidades, onde os leigos assumam as funções próprias da sua laicidade, deem tempo e oportunidade para que o seu Padre possa exercitar plenamente o seu ministério, com tempo e paz.
Na Presbyterorum ordinis, o Concilio Vaticano II reconhece que o padre faz, «a seu modo, as vezes da própria pessoa de Cristo». Estar totalmente descentrado de si e estar plenamente recentrado em Cristo. Tal como Cristo é a transparência do Pai (cf. Jo 14, 9), o padre há-de ser a transparência de Cristo, como experimentamos, espalha Cristo quem espelha Cristo. E como o discípulo não é superior ao Mestre (cf. Lc 6, 40), é expectável que a vida do discípulo esteja decalcada na vida do Mestre. Se a Cruz esteve presente na vida de Cristo, como é que poderia estar ausente da vida do padre?
- A todos vós, e em nome da Igreja Diocesana, agradeço a vossa fidelidade, serenidade e fraterna comunhão presbiteral. Nesta hora, em que estamos a ser generalizada e repetidamente censurados como poucas vezes o fomos na História, sentimos que, apesar da nossa debilidade e fraqueza, somos necessários como porventura nunca. Não nos escondemos nas nossas fraquezas, somos filhos da Luz e sabemos que só a verdade liberta, mas também não abdicamos da nossa missão: na liberdade religiosa e de consciência levar Cristo a todos e trazer todos a Cristo. Sem a Igreja e o seu contributo sociocultural e sem o sacerdote, como tornar presente Cristo sobretudo junto dos pobres e das vítimas de todos os abusos, que transversalmente desfiguram a Sociedade e também a Igreja. Sem o sacerdote, só podemos dizer que Cristo «foi». É com o sacerdote que podemos continuar a dizer que Cristo «é», que Cristo «está». É, pois, para Ele que nos voltamos, é a Ele que pedimos perdão e é sempre em nome d’Ele que distribuímos generosamente o perdão.
Às vezes, parece que Jesus Se ausenta da Sua Igreja. Mas, na verdade, é Ele que a conduz, é Ele quem a carrega. É imperioso voltar ao Jesus do Evangelho e ao Evangelho de Jesus. Revistamo-nos, então, de esperança (cf. 1Ped 3, 15). A manhã voltará a chegar e com ela cantaremos o Aleluia Pascal!
- Convido-vos a todos a rezarmos ao Senhor por três irmãos que partiram para a Casa do Pai, desde a última Quinta-feira Santa, e que para sempre estarão vinculados a este presbitério: refiro-me ao saudoso Padre Carlos Cardoso de Melo nascido a 01 de setembro de 1926, ordenado presbítero a 26 de junho de 1949 e falecido em 5 de outubro de 2022, tendo sido sepultado na sua terra natal Moimenta-Cinfães a 6 de outubro de 2022; ao querido Padre Agostinho Crespo Leal nascido a 25 de janeiro de 1939, ordenado presbítero a 01 de julho de 1961 e falecido a 16 de fevereiro de 2023, sendo sido sepultado na sua terra natal Badamalos – Sabugal a 17 de fevereiro de 2023 e ao nosso estimado Padre José António Gonçalves, nascido a 28 de março de 1965, ordenado presbítero a 02 de julho de 1989 e falecido a 21 de fevereiro de 2023. Foi sepultado na sua terra natal, Covilhã, a 25 de fevereiro de 2023.
É nosso desejo trazer a esta oração os sacerdotes mais idosos e também os doentes. Recordamos com muita amizade o Cónego António Henrique de Freitas Guimarães a residir no Lar do Centro Paroquial da sua terra natal, Avanca, o Padre José de Leão Cordeiro a residir no Lar do Centro Paroquial do Couço, o Cónego António Gata Simões, os Padres António Santos, Manuel Botelho e Humberto Coelho a residirem na Casa Sacerdotal de Vila Viçosa, o Padre Abílio Antunes Lopes e o Padre Tarcísio Madeira Pinheiro, ambos nas suas terras natais na Diocese da Guarda. Rezemos pelas melhoras do nosso Cónego Júlio Roxo, ainda hospitalizado no Hospital do Espírito Santo, em Évora.
É com profunda gratidão a Deus que nos unimos ao Sr. D. Manuel Madureira Dias e louvamos o Senhor pela sua permanência entre nós. Que a fecundidade da sua dádiva na cruz de cada dia e do seu estudo, seja no silêncio do seu dia a dia, sinal profético de como comprova pela vida a palavra anunciada e ensinada.
Anuncio com grande alegria a celebração do jubileu de prata da ordenação episcopal do Sr. D. José Francisco Sanches Alves, Venerando Arcebispo Emérito da nossa Arquidiocese . Sintamo-nos todos convidados para esta feliz celebração programada querendo Deus para o próximo dia 31 de maio.
Neste Ano Pastoral, elevamos o nosso canto de louvor pela celebração jubilar dos 50 anos de ordenação presbiteral do Caríssimo Padre Abílio Antunes Lopes, ordenado a 03 de junho de 1973, e ainda os 25 anos de ordenação dos Padres Ilídio Santos da Graça CPPS (ordenado a 20 de dezembro de 1998), José Álvaro da Silva Alvarinhas OH (ordenado a 12 de julho de 1998) e ainda Padre Policarpo Fernandes Gonçalves Pereira MSC (ordenado a 18 de agosto de 1998).
Querendo Deus serão ordenados presbíteros o Diácono Bonifácio da Ordem Hospitaleira S. João de Deus a 4 de julho de 2023, em Montemor-o-Novo, e os Diáconos Rui Faia e Jorge Palácios (ordenação diaconal a 27 de novembro de 2022) e cuja ordenação presbiteral está prevista para 11 de junho de 2023.
Elevemos com gratidão o nosso louvor ao Senhor da barca para a qual fomos chamados a servir, na certeza de que Cristo é o seu piloto e o seu mastro é a cruz, como referiam os primeiros cristãos.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
HOMILIA CEIA DO SENHOR
Catedral de Évora em 6 de abril de 2023
- Ao celebrarmos em Quinta-Feira Santa a Instituição da Eucaristia e do Ministério do Sacerdócio ordenado, encontramo-nos com a extensa – e a intensa – ternura de Deus para connosco, Seus Discípulos Missionários.
Na Eucaristia celebramos o que na Cruz foi realizado: expressão máxima do amor divino. Parafraseando o cardeal Sean O’Malley, podemos dizer que na Eucaristia várias vezes exprimimos a nossa Fé e ação de graças através do ósculo: o beijo no altar, o beijo no Evangeliário, o beijo na Cruz, o beijo da paz aos nossos irmãos e hoje acrescentamos o beijo nos pés, durante o rito do lava-pés. No fundo, são beijos dados a Cristo pois no altar, no Evangelho, na Cruz e em cada ser humano é Cristo que nos visita. O que fazemos a eles é o que fazemos a Ele (cf. Mt 25, 40). É por isso que o Cristianismo não é a recordação de um ausente, mas a contínua celebração de uma presença.
A Ressurreição não provocou uma ausência, mas inaugurou uma nova presença. Por tal motivo, os cristãos não dizem que Cristo viveu, mas que Cristo está vivo (cf. Act 25, 19). Aliás, ao longo do Seu ensinamento, Jesus Cristo foi preparando os discípulos para a perenidade da Sua presença no mundo, «até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). “Cristo Vive!”, assim intitulou o Papa Francisco a sua Exortação Apostólica sobre a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “Os jovens, a Fé e o discernimento vocacional”.
Esta presença de Cristo Ressuscitado, através da Sua corporeidade eclesial, permanece de modo sacramental na Eucaristia «fazei isto em memória de mim», (1 Cor 11, 24; Lc 22, 19), no mandamento da Missão «ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho» (Mc 16, 15; Mt 28, 19) e do Mandamento no Amor «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12; 13, 34).
De facto, esta presença real de Cristo na realidade do mundo atinge o seu ápice na Eucaristia, porque é sobretudo na Eucaristia, como nos diz a 2ª Leitura, que se realiza o que Ele mandou fazer em Sua memória: comer o pão (cf. 1 Cor 11, 23-24; Lc 22, 19) e beber do cálice (cf. 1 Cor 11, 25; Mc 14, 23; Mt 26, 27). Sucede que este pão já não é pão: é o Corpo de Jesus Cristo: «isto, ou (seja, o pão) é o Meu Corpo, que será entregue por vós» (1Cor 11, 24; Mc 14, 22; Mt 26, 26; Lc 22, 19). Do mesmo modo, este cálice já não é cálice: é o Sangue de Jesus Cristo: «isto (ou seja, o cálice) é o Meu Sangue da aliança, que vai ser derramado por todos» (Mc 14, 24; 1 Cor 11, 25; Mt 26, 28; Lc 22, 20).
Das suas próprias palavras depreende-se que Jesus está realmente presente naquele pão e naquele cálice. Pelo que há uma mudança de substância em tal pão e tal cálice. Nestes, como reparou o Papa S. Paulo VI, «já não há o que havia anteriormente, mas outra coisa completamente diferente». Esta mudança de substância (transubstanciação) configura, ainda segundo o Papa Montini, «o maior dos milagres». São Cirilo de Jerusalém verbalizou com suprema precisão o que se passa: «Aquilo que parece pão não é pão, apesar do sabor que tem, mas sim o Corpo de Cristo; e o que parece vinho não é vinho, apesar de assim parecer ao gosto, mas sim o Sangue de Cristo». O que passamos a ter, como notou Santo Ambrósio de Milão, já não é o que a natureza formou, mas o que a bênção consagrou». Por conseguinte e como observa de novo S. Paulo VI, não nos devemos guiar «pelos sentidos, que testemunham as propriedades do pão e do vinho, mas sim pelas palavras de Cristo, que têm o poder de mudar, transformar e “transubstanciar” o pão e o vinho no Seu Corpo e Sangue». Isso significa que, na Eucaristia, Cristo vem até nós e nós vamos até Cristo.
- Ao mandar comer o pão e beber o cálice em Sua memória (cf.1Cor 11, 24-25), Jesus está a admitir que a Ceia não termina naquela noite. A conversão do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor são possíveis porque – sublinha Karl Rahner – «a ceia não acabou». O que então se verificou nunca deixa de se verificar pois «insere-se no espaço e no tempo que são nossos». Daqui resulta que toda a realidade de Cristo «estará sempre eficazmente presente onde se realiza a Ceia». Xavier Zubiri, um filósofo existencialista cristão do século XX, apercebeu-se que na Eucaristia somos visitados pela «atualidade do pão feita atualidade de Cristo». Pelo que «o pão eucarístico é o Corpo de Cristo; é o próprio Cristo».
Cingindo-nos à celebração da Missa, é real a presença de Cristo na Palavra, no ministério ordenado do Sacerdote, na Assembleia Litúrgica convocada e reunida. A presença real de Cristo não é um exclusivo do Pão e do Vinho consagrados como se as outras presenças fossem irreais, mas acontece por excelência na Eucaristia. A presença real de Cristo na Eucaristia não é a única, mas, avisa o Catecismo, «o modo da presença de Cristo na Eucaristia é único». Trata-se de uma presença substancial dado que, ela, torna presente Cristo completo, o ressuscitado.
São João Paulo II teve o cuidado de chamar a atenção para esta presença da Ressurreição. Com efeito, a Eucaristia, no momento em que «actualiza o único e definitivo sacrifício de Cristo na Cruz», «torna presente o mistério da Sua Ressurreição». É o que os nossos lábios afirmam na aclamação depois da Consagração: Anunciamos Senhor, a Vossa Morte» e «Proclamamos a Vossa Ressurreição, Vinde Senhor Jesus».
- No ano de 304, durante as perseguições de Diocleciano, um grupo de cristãos, do Norte de Africa, foram surpreendidos a celebrar a Missa numa casa e foram aprisionados. O procônsul romano, no interrogatório, perguntou-lhes porque o fizeram, sabendo que era absolutamente proibido. Eles responderam: «Sem o domingo não podemos viver», que significava, se não podemos celebrar a Eucaristia, não podemos viver, a nossa vida cristã morreria. Com efeito, Jesus disse aos seus discípulos: se não comerdes a Carne do Filho do homem, e não beberdes o Seu Sangue, não tereis a vida em vós mesmos. Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue tem a vida eterna, e eu o Ressuscitarei no último dia» (Jo 6, 53-54). Por isso, Jesus deseja que nos sentemos frequentemente à mesa com Ele, para aprendermos os Seu surpreendente modo de viver e amar.
É nesta escola do discipulado de Cristo, que exercitamos a nossa missão de serviço. Hoje, no Rito do Lava-pés, vamos rever a maior lição do mestre que veio para servir e não para ser servido. Saibamos contemplar, neste sinal, a mensagem que nos vem de Deus, que procura cada Homem, como o pastor procura cada ovelha e, com amor eterno, nos lava com misericórdia de todos os pecados, dos vazios, das solidões e da escuridão.
Com Maria, Mãe e Mestra da Igreja e dos Discípulos Missionários deixemos que o Senhor nos lave e aprendamos com Ele a lavar os pés aos nossos irmãos.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
HOMILIA DA ADORAÇÃO DA SANTA CRUZ
Catedral de Évora em 7 de abril de 2023
Excelência Reverendíssima, Senhor Arcebispo, D. José Francisco Sanches Alves
Exmos. Senhores Cónegos, e demais Presbíteros.
Caros Diáconos, Estimados Seminaristas.
Meus irmãos e minhas irmãs!
- Nenhum acontecimento foi tão dramático como a morte de Jesus. Como entender que tenha recebido tanto mal quem praticou tanto bem? Julgado e condenado, Jesus viu-Se desprezado, humilhado, crivado de dores (cf. Is 53, 3-4). O Seu desenlace foi envolvido por uma forte torrente de lágrimas e clamores (cf. Heb 5, 7).
Jesus confessa-Se abandonado não pelos homens — já que algumas pessoas estavam com Ele (cf. Jo 19, 25-26) —, mas por Deus. Muitas explicações têm sido dadas. Será que alguma delas nos satisfaz? As teses poderão ser consistentes. Mas não se têm mostrado muito convincentes. Para o Teólogo Joseph Ratzinger, «não há palavras» para responder à interrogação de Jesus: «Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34; Mt 27, 46). Tampouco tranquiliza saber que estamos perante a reprodução do início de um Salmo (22, 2) que até termina num clima de confiança. Nenhum contexto consegue amenizar a dolorosíssima carga daquelas palavras. É notório que Jesus está a sentir o que diz e a dizer o que sente.
Será que se quebrou a unidade entre Jesus e o Pai (cf. Jo 10, 30)? De modo algum. Jesus morre como sempre viveu, intimamente unido ao Pai (cf. Lc 23, 46). Se os dois são um só Deus — pergunta Santo Agostinho —, «como seria possível que o Pai abandonasse alguma vez o Seu Filho?» O que acontece é que — ainda segundo o Bispo de Hipona — Jesus grita «com a voz da nossa humanidade». Não é a nossa humanidade que, tantas vezes, se declara abandonada por Deus? Jesus faz subir o grito da humanidade até Deus. Mas também faz descer o eco da resposta de Deus à humanidade. Afinal, Deus não nos abandona. No Seu Filho, Ele sofre com todos nós, Seus filhos. O mistério não desaparece, mas estremece. Deus nem sempre afasta o sofrimento. Mas nunca deixa de estar ao lado dos sofredores. Em Si, Ele sofre connosco. Acompanhemos, então, Jesus na Sua dor. Ele nunca nos faltará com o Seu amor!
Caríssimos irmãos, convido-vos a transfigurar as grandes cruzes da Humanidade e a encontrarmo-nos com Cristo em cada uma delas. Como não recordar nesta Sexta-Feira Santa a dor provocada por todas as guerras, autênticas feridas abertas no tecido da Humanidade?
Como não lamentar e não reparar o coração do Bom Deus, Criador e Pai de todos os humanos por massacres hediondos e tristemente perpetrados por cristãos contra Cristo, nos próprios irmãos, incluindo menores e crianças? Como não chorar com crianças e mães, com idosos e populações indefesas fugindo da morte, sem saber para onde nem porquê?
Unimo-nos aos desterrados, aos refugiados, aos sós no meio de muita gente, aos doentes, aos abandonados à indiferença, às famílias de luto, a todas as vítimas de desumanidades e encontremo-nos aí com os gólgotas do século XXI, abraçando Cristo em cada ser humano despojado da sua dignidade, também naqueles que sofrem, vítimas da violência sexual e familiar. Como nos recorda Santo Inácio de Antioquia no séc. II, teólogo do Martírio, se Cristo é nosso Cireneu e Bom Samaritano na nossa vida, sejamos nós para Ele em cada um dos nossos irmãos crucificados. Ao adorarmos hoje a Santa Cruz encontramo-nos com Cristo vivo nestes irmãos que sofrem!
- Tal como há dois mil anos, as trevas parecem cobrir a terra em pleno meio-dia de Sexta-Feira Santa (cf. Mt 27, 45). Como nos ensina repetidamente a História da Humanidade a escuridão da Cruz pode ter uma duração muito longa. Percebem-se com a evidência dos testemunhos de vida, sinais do Reino de Deus presente entre nós, mas também dá para ver que «a escuridão permanece no nosso mundo». O mistério pascal só é total quando enlaçamos, num único gesto, a Cruz e a Ressurreição, então a luz brilha nas trevas. Somente a fé e a esperança nos permitem introduzir a luz de Cristo nos nossos pensamentos e nos nossos corações, a fim de obtermos, de novo, forças para a etapa seguinte do caminho. Mas, atenção, ninguém conseguiu deter a história na tarde de Sexta-Feira Santa, pois a força da Ressurreição vence sempre. De facto, o lugar da esperança, apesar de tudo, ainda é a nossa vida chorada e sofrida.
- O Apóstolo Paulo sintetiza a vivência desta Sexta-Feira Santa, afirmando: Amou-me e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gal 2,21). Amemos com o Amor com que somos amados, socorrendo-nos da Mãe da Igreja, como João, recolhamo-nos à sua intercessão e ao testemunho da Sua Fé, e como Ela, de pé junto à Cruz, permaneçamos juntos, de modo comprometido e pró-ativo, unidos às grandes dores e vazios da humanidade em nossos dias, vivendo, no dizer do Papa Francisco, uma guerra aos pedaços, sendo porém a maior guerra a do vazio e dos valores, numa viagem cujo destino parece ser a ganância e a vitória dos mais fortes, astutos e maquiavélicos. Estamos, porém, convictos que o grão de trigo lançado à terra germinará e florescerá maduro e fluorescente em plena seara que nos ofertarão trigo novo transformado em grão para a Nova Humanidade.
Porque sabemos em quem cremos, partamos para o quotidiano das nossas vidas com o compromisso de sermos Discípulos Missionários da Esperança.
Que perante o Amor radical de Cristo, a nossa vida grite: O amor está vivo e a última vitória é Sua. Nós vos Adoramos e Bendizemos ó Cristo, porque pela Santa Cruz remistes o mundo!
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
HOMILIA SOLENE VIGÍLIA PASCAL
Catedral de Évora, em 8 de abril de 2023
. Excelência Reverendíssima Senhor D. José Alves
. Reverendíssimos Senhores Cónegos, e demais Sacerdotes
. Caros Diáconos
. Estimados Seminaristas
. Meus irmãos e minhas irmãs,
. Uma saudação muito amiga, nesta noite de Vigília Pascal, para todos vós com votos de Santas Festas Pascais na alegria do Senhor Ressuscitado!
. Uma saudação muito particular à Comunidade Cristã de São Brás desta nossa cidade de Évora, que vê, nesta noite santa, a sua comunidade aumentada com estas duas catecúmenas que, nesta celebração, irão receber os Sacramentos da Iniciação Cristã.
- Eis o grande pregão desta noite; o feliz anúncio que ecoa neste templo e que ressoa por toda a terra: «Não está aqui!» (Lc 24, 6). Esta é a «proto-notícia» da Ressurreição, dada pelos «proto-mensageiros» da Ressurreição. Jesus não está aqui, ou seja, não está ali, no lugar da morte. Ele agora está aqui, nesta grande, extensa e intensa liturgia. Está no Lume Novo, pois: Ele é o Lume sempre novo; está na Liturgia da Palavra, pois é Ele que fala ao ser proclamada na Igreja a Sagrada Escritura; está na Liturgia Batismal, que iremos celebrar dentro de momentos, pois quando alguém batiza é Cristo que batiza; está na Liturgia Eucarística, fonte e cume da vida cristã; está presente hoje, aqui, na Igreja que reza e canta, pois Ele prometeu «Onde estiverem dois ou três reunidos, em meu nome, Eu estou no meio deles». É, por isso, que «angelus», que se traduz por anjo, significa mensageiro. Nós somos, pois, anjos da ressurreição, mensageiros contínuos e sem desfalecer da Ressurreição.
A Vigília Pascal, mãe de todas as vigílias, é também a mãe de todos os mensageiros. Como dizia São João Paulo II, «nós somos o povo da Páscoa e o Aleluia é o nosso cântico». Cantamos o Aleluia com os lábios para nunca deixar de cantar o «aleluia» com a vida.
- É na Páscoa que começa a vida cristã. Por isso, o Batismo é um sacramento eminentemente pascal. E quem começa a viver em Páscoa não pode parar, tem de percorrer a vida com Cristo até ao fim, conduzindo-se pela sua Palavra, fortalecendo-se no dom do Espírito Santo, que continuamente nos unge pelo Óleo do Crisma, pelo Sacramento da Confirmação e alimentando-se no Pão da Eucaristia.
Se as trevas podem descer durante o dia, também o sol pode brilhar durante a noite. Foi o que aconteceu nesta noite, há dois mil anos: «A meia-noite, um clarão de sol penetrou nas trevas e todos os recantos do Hades tornaram-se luminosos». É, pois, tempo de olhar novamente para esse «clarão de sol» e de nunca deixar de escutar o «ide por todo o mundo anunciar o Evangelho» (Mc 16, 15).
- Jesus está sempre connosco (cf. Mt 28, 20). Os nossos problemas começam quando não estamos com Jesus. De fora continuarão a vir interpelações. Mas é de dentro que, não raramente, emergem os maiores obstáculos. Identificá-los torna-se uma prioridade. E removê-los desponta como um imperativo. Não esqueçamos jamais que a essência do Cristianismo — como recorda Bento XVI — «é uma história de amor entre Deus e os homens».
É esse amor que foi selado na Cruz e «explodiu» — imparavelmente — na manhã da Ressurreição. É, por isso, que a Igreja deve acender um sorriso no rosto, ainda que se veja dilacerada por torrentes de pranto. A Igreja não é o sol. Mas é chamada a aquecer os que a vida faz arrefecer com o desamparo e a injustiça. Apesar de tudo, é possível ver a Primavera a despontar na Casa de Deus.
Afinal, todas as coisas se podem alterar. «Sim, até o pecado», como comentava Santo Agostinho. Deixemos, então, que Cristo Se forme em nós (cf. Gál 4, 19). O que equivale a dizer que também é urgente que nós nos (trans)formemos em Cristo. O objectivo é que — adverte o Mestre Eckhart — «nos revistamos da forma de Cristo». De tal modo que «em nós se encontre um reflexo de todas as obras de Jesus e do Seu ser e operar».
Não nos enterremos na noite. Também na bruma pode irromper a luz… Paulo lembra que «a virtude se aperfeiçoa na fraqueza» (2Cor 12, 9). Deus não desiste de nós. Deus não é movido por nada «a não ser pela Sua própria bondade». Daí que a nossa prioridade tenha de ser cuidar dos que foram feridos. É pela «porta das feridas» (Tomás Halík) que Jesus Ressuscitado Se revela (cf. Jo 20, 27). Foi por essa «porta das feridas» que Tomé voltou da incredulidade à fé (cf. Jo 20, 28). Só as «feridas» de Cristo curarão as feridas de tantos (cf. Is 53, 5; 1Ped 2, 24), de todos nós afinal!
Nunca digamos, pois, «Cristo viveu». Digamos e proclamemos sempre «Cristo está vivo», connosco. Ele é sempre o Emanuel! Com o Papa Francisco, também nós dizemos: «CRISTO VIVE!, ALELUIA, ALELUIA». Vivamos com Ele, Aleluia! Aleluia!
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora