Podemos orientar a Quaresma a partir de uma realidade profunda que nos constitui: o desejo. O desejo faz-nos a todos iguais. Todos aspiramos indefetivelmente à felicidade. E de facto a vida pode ser considerada como uma busca constante de caminhos para a nossa plenitude, que põe em ação todas as energias humanas. Mas, nessa busca, encontramo-nos com a misteriosa realidade da nossa divisão interior, isto é, a inclinação para o mal, embora querendo fazer o bem. S. Paulo utiliza dois termos opostos para expressar esse conflito interior em nós: a carne e o espírito. A carne produz obras de morte e o espírito frutos de vida (Gal 5). Para verificar que isto é verdade, basta olhar para nós próprios e para o mundo em que vivemos.
Por isso, a história da Humanidade, desde as suas origens, pode ser considerada como “uma dura batalha contra o poder das trevas” (GS 37). Com grandes esforços e com a ajuda da graça de Deus, o ser humano deve lutar continuamente para vencer o mal e aderir ao bem. Jesus manifesta a necessidade dessa luta mediante imagens: “Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram” (Mt 7, 14). Qualquer pessoa honesta, com fé religiosa ou sem ela, entende que não existe alternativa. É preciso lutar contra o mal, se nos queremos salvar pessoalmente e salvar a família humana. Muitos, porém, recusam-se a essa luta; outros, até os melhores, com frequência cansam-se. Mas Jesus diz abertamente: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (Lc 13,24).
Os cristãos têm como potente motivação para esse combate o triunfo de Jesus Cristo, que alcançou a meta que o coração humano tão ardentemente deseja. O Batismo já nos uniu a Cristo, na sua morte e ressurreição. Por isso, em certo modo já alcançámos essa meta com Ele. Estamos salvos na esperança, mas precisamos de continuar e concluir o caminho. A Quaresma conduz-nos à Páscoa, celebração desses mistérios da nossa salvação. Nesse sentido, a Quaresma é como que uma parábola da vida do cristão, que caminha na esperança do encontro com Deus como plenitude da vida. No seu início, ao serem-nos impostas as cinzas, recebemos um convite imperativo: convertei-vos!
Converter-se significa mudar de mentalidade, atitudes e conduta, o qual se faz possível pela graça de Deus e pelo esforço da nossa parte, que são duas realidades inseparáveis. Cada vez que damos morte, em nós ou fora de nós, a alguma manifestação do mal, a Páscoa está a acontecer. Assim, morremos para viver e para dar vida ao mundo; vamos eliminando os obstáculos que nos afastam da ansiada plenitude e potenciando a força do amor, que edifica a fraternidade humana. Entremos, pois, com determinação, pelo caminho apertado que leva à vida, neste itinerário quaresmal.
Vicente Hernández Alonso