Leia aqui na íntegra as Homilias do Arcebispo de Évora no Tríduo Pascal 2022:
14 de abril, às 10h, na Catedral de Évora: Homilia da Missa Crismal
Excelentíssimo e Revmo. Senhor D. José Francisco Sanches Alves, digníssimo Arcebispo Emérito de Évora;
Reverendíssimos Senhores Cónegos, e demais Presbíteros;
Caros Diáconos
Estimados Seminaristas
Meus Irmãos e minhas irmãs
Saúdo-vos a todos com a alegria cristã de nos reunirmos em nome do Senhor, para celebrarmos a Missa Crismal, em Quinta-feira Santa. Bendito seja Deus por cada um de nós. Bendito seja Deus pelo Presbitério Eborense e por todos o que o acompanham no Amor Fraterno da oração e do serviço.
Louvo o Bom e Belo Pastor, Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo nosso presbitério e consagro cada um dos seus membros, pelas mãos maternais de Maria, ao Amor do Eterno Pai, na unidade do Espírito Santo.
Louvo o Senhor pelos Presbíteros chegados este ano ao nosso presbitério: Reverendo Padre Marco Roscini, da Associação Mater Dei, ordenado em Vila Viçosa em 13 de junho de 2021; Reverendo Padre Tiago Neves Carlos, ordenado na Sé de Évora em 8 de dezembro de 2021; e o Reverendo Padre Daniel Jamba oriundo da Diocese do Lubamgo, que veio efetuar os seus estudos universitários em Psicologia na Universidade de Évora. Reside em Santana de Portel, colaborando como Vigário Paroquial com o Rev. º Padre José Mombo Lelo, Pároco da Unidade Pastoral de Portel.
É com grande alegria e sentido de gratidão que agradeço ao Senhor o dom da vida e do ministério dos três presbíteros que celebram este ano as suas bodas de prata sacerdotais:
- Reverendo P. Manuel José Tobias Vieira, Pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima em Évora, Assistente Diocesano da Pastoral da Saúde e Capelão do Hospital do Espírito Santo, ordenado em 07 de dezembro de 1997
- Reverendo Padre Ivan Hudz, Pároco das Paróquias de Alcáçovas, Torrão e S. Romão do Sado e Coordenador dos Capelães dos Imigrantes Ucranianos de Rito Bizantino, ordenado em 20 de setembro de 1997;
- Reverendo Padre Luís Filipe Cardoso Fernandes, Pároco “in solidum” de S. Bartolomeu, em Vila Viçosa, Bencatel, Santa Catarina de Pardais, Santiago Maior e Capelins-Montes Juntos Capelão da S.C.M. de Vila Viçosa e Assistente Espiritual Regional do CNE, ordenado em 13 de julho de 1997.
Peço ao Senhor pelo eterno descanso do Rev. º Padre Joaquim Soares, falecido na sua casa em Lixa-Porto. Nasceu a 27 de março de 1927 em Felgueiras e foi ordenado a 21 de agosto de 1955 em Évora. Foi Pároco em Campo Maior e em várias comunidades da Diáspora emigrada e colaborou na Diocese do Algarve como Pároco de Ferragudo e Algoz 12 anos, e cooperou com Monchique 2 anos.
Peço também ao Senhor pelo eterno descanso do Rev.º Cónego Salvador Dias Terra, falecido na Casa Sacerdotal de Viana do Castelo, a 1 de agosto de 2021. Nasceu a 17 de dezembro de 1934 em Avanca e foi ordenado a 28 de junho de 1959 em Évora. Serviu interinamente a Paróquia de São Brás, em Évora. Foi Pároco em Torrão, Alcáçovas, Montemor-o-Novo e Coruche. Nos últimos anos, antes de se retirar para sua terra natal, foi capelão da Basílica Metropolitana de Évora. Regressado à sua terra natal, residiu na Estrutura Residencial para Idosos (ERPI) do Centro Social Paroquial de S.ta Marinha de Avanca.
No Evangelho que acabámos de acolher, Jesus assume-se como o “Hoje” de Deus, Ele é o cumprimento pleno das promessas do Pai. N’Ele repousa a fidelidade daquele que prometeu enviar o Seu Ungido “a anunciar a boa nova aos infelizes, a curar os corações atribulados, a proclamar a redenção aos cativos e a liberdade aos prisioneiros, a proclamar o ano da graça do Senhor e o dia da acção justiceira do nosso Deus”.
Jesus é o Sacerdote eterno! Ungido pelo Espírito, foi enviado pelo Pai, na plenitude dos tempos, “a evangelizar os pobres, a amar os contritos de coração”, como “médico da carne e do espírito, mediador entre Deus e os homens”, como nos ensina a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrossanctum Concílio, no seu número 5.
Com Cristo, iniciaram-se os Novos Tempos, um “Ano da Graça”, que é o tempo da eterna redenção e Libertação Universal, o Kairós da redenção.
O anúncio messiânico de salvação que Jesus assume como cumprimento das promessas messiânicas, implica a salvação do homem todo e de todos os homens. O mesmo Espírito de Deus que O ungiu, desceu sobre a Igreja em Dia de Pentecostes, constituindo a Igreja como Comunidade de Discípulos Missionários e testemunhas da Esperança. Assim, como Cristo é o enviado do Pai, a Igreja é enviada por Cristo, como portadora da Boa Nova da Salvação e “Sacramento Universal de Salvação”.
«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu»
Eis o sentido da celebração de hoje com a bênção dos óleos e a renovação das promessas sacerdotais.
A centralidade da liturgia presidida pelo Bispo na igreja Mãe, a Catedral, sublinhado pelo Concílio Vaticano II (cf. SC 41), manifesta-se hoje de modo icónico. Anualmente na Missa Crismal, os presbíteros renovam as promessas sacerdotais, consagra-se o azeite com as essências aromáticas da Confirmação, o óleo do crisma o qual serve também para a ordenação dos Bispos e dos Presbíteros, para a dedicação das igrejas e do altar, para a unção explicativa pós-batismal dos neófitos e benzem-se o azeite da unção pré-batismal dos catecúmenos e o azeite para a unção dos enfermos.
- Perante estes sinais, percebemos com clareza que o ministério presbiteral apresenta, não como uma função, uma tarefa, ou uma posição, mas como um serviço a tempo inteiro e exclusivo, constituindo mediante a ordenação sacramental. A sacramentalidade é, o sinal mais específico do presbítero. Eis o grande mistério pelo qual, os presbíteros foram feitos ministros: a participação no único sacerdócio de Jesus Cristo, no mistério de um amor oblativo, pela sua entrega sem limites até à morte e morte de Cruz. Eis o Servo de JHWH, o Cordeiro Pascal que levamos nas entranhas do nosso ministério Presbiteral.
Por isso, o presbítero é chamado a centrar-se de modo especial na Eucaristia. Esta é o centro de cada comunidade paroquial. Para que todos possam alcançar a plenitude da vida cristã, deverá igualmente cuidar do sacramento da Reconciliação, da visita ao Santíssimo sacramento, da visita às famílias, em particular aos doentes… Na realidade são muitas as atividades a que os Presbíteros são chamados. Aos Presbíteros, em especial aos párocos, incumbe o dever de promover com zelo, através do acompanhamento de proximidade a caminhada cristã das novas gerações, dos adolescentes e jovens, e das diversas vocações; sempre por meio do seu exemplo de vida, transparecendo a sua identidade, vivendo em coerência com ela. O Presbítero é apontado como homem que ama a Igreja, como perito da comunhão e construtor da comunidade, alguém em plena unidade com a Igreja particular e a Igreja Universal, sabendo que “não é possível encontrar a justa solução dos grandes problemas, senão pela via da Sinodalidade”, como reconhecia Eusébio de Cesareia no longínquo Séc. IV (Uvita Constantini 1,51).
Por experiência, sabemos que aos párocos não faltam dificuldades pastorais, angústias e cansaços, nem sempre retemperados com imprescindíveis períodos de retiro espiritual, de atualização teológico-pastoral e do justo repouso. A cultura contemporânea, erosiva e amolecedora, descentra o presbítero da sua essencial dimensão mistérico-sacramental, fazendo-o cair nos perigos do ativismo, do funcionalismo, e da planificação mais empresarial do que pastoral, tornando-se assim dono e protagonista da Igreja, esquecendo-se que a Igreja é de Cristo e ao Padre importa somente ser seu instrumento.
- Na Igreja – mistério, comunhão e missão, apresentada desde as suas origens por toda a Patrística como povo de Cristo e sacramento universal de salvação, como sintetiza para o nosso tempo a Constituição Dogmática a Lúmen Gentium, descobre-se a razão fundamental do sacerdócio ministerial. Pela ordenação sacramental, foi-lhes confiada uma missão nova e específica para agir in persona Christi Capitis et in nomine Ecclesiae (na pessoa de Cristo Cabeça e em nome da Igreja).
Através do ministério da Palavra evangelizadora, que convida à conversão e à santidade; da Palavra cultual, que dá graças pela misericórdia de Deus; pela Palavra sacramental, a qual é fonte da graça, o presbítero prolonga o mistério de Cristo no próprio exercício do ministério, tornando-se o ministro do mistério. O desafio colocado à nossa espiritualidade é, pois, a peregrinação interior do Mistério ao ministério vivido, fonte que jorra para a vida, sempre renovada no dom recebido pela ordenação sacramental.
Porque o mistério de Cristo implica o ministério da Igreja, nunca faltem presbíteros totalmente identificados com Cristo, o Bom Pastor que dá a vida pelos seus, amando-os até ao fim. O presbítero não é um simples coordenador ou animador competente, mas é o pastor próprio da comunidade paroquial. A todos os Presbíteros e a todos os párocos, com afeto, admiração e gratidão, dirijo um renovado convite: sede homens de fé: do mistério ao ministério! Dizei ‘não’ ao individualismo na vida e na ação pastoral. Não nos isolemos, porque perdemos o sentido do presbitério e o sentido diocesano, lentamente autocentramo-nos e esterilizamo-nos. O pragmatismo gerador de sucessos pessoais é enganador. A sinodalidade é desde sempre o caminho da Igreja e só a unidade é evangélica. O autocentrismo termina sempre na esterilidade. Não em “nome de Cristo”, colocando-me no seu lugar, mas tudo com Cristo, sendo Ele o único Senhor da Igreja e pelo Espírito Santo o Seu Pastor.
- Como nos dizia o Cardeal Teólogo de saudosa memória, na sua homilia de 5 de abril de 2007: «numa sociedade dispersa como a atual, é importante que o sacerdote seja identificado como “pastor”, principalmente nesta sociedade, à qual se pode aplicar a frase de Jesus, «são como ovelhas sem pastor». Como sabiamente explica, ser pastor não indica, apenas, mais um sector de actividades do sacerdote, na complexidade da sua missão no mundo contemporâneo. É qualidade que se exprime e concretiza em toda a sua acção, garantia da unidade vital entre o que somos e o que fazemos, no exercício do nosso ministério. A atitude do pastor revela os critérios e os ritmos das diversas tarefas e atitudes, define a missão e a maneira como nos vêm. Um pastor ama sempre e faz tudo com amor: quando acolhe, quando escuta e consola, quando orienta, quando se alegra com os que estão felizes e partilha a dor dos que sofrem; quando é exigente e quando é compreensivo e tolerante; quando ensina, todos e cada um a discernirem, no concreto das suas vidas, os caminhos do Reino de Deus. Para um pastor a autoridade não é individual, mas colegial, é expressão da condução da Igreja pelos caminhos e critérios da comunhão eclesial. Ela é, no sacerdote pastor, expressão da sua fidelidade à Igreja, é uma obediência, em que a fidelidade à Igreja é credencial da sua autenticidade. Suscitar vocações sacerdotais é algo que nos deve mobilizar a todos, mas antes de acções específicas a desencadear, há que viver este testemunho das nossas vidas de autênticos pastores, sacramentos de Cristo Bom Pastor.
Com o querido Papa Francisco, rezemos somos uma Igreja Particular empenhada na vivência do Sínodo 2021-2023. Três verbos nos dinamizam: encontrar, escutar, discernir, por isso rezemos.
Espírito Santo!
Eis-nos aqui, diante de Vós, reunidos em vosso Nome.
Nosso defensor,
Vinde,
ficai connosco;
tomai posse do nosso coração.
Mostrai-nos o destino,
caminhai connosco,
conservando-nos em comunhão.
Aí de nós, pecadores, se cairmos na confusão!
Não o permitais.
Iluminai a nossa ignorância,
libertai-nos da parcialidade.
Senhor que dais a vida,
em Vós, a unidade,
convosco, a verdade e a justiça;
em marcha até à vida sem ocaso: nós vos suplicamos.
Vós que soprais onde e como desejais,
a todos dando a possibilidade de passar, com Jesus, ao Pai: nós vos adoramos,
agora e sempre. Amém.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
14 de abril, às 18h30, na Catedral de Évora:
Homilia da Ceia do Senhor
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- Como acabámos de acolher em nossos corações, o Capítulo 12, do Livro do Êxodo narra-nos que «com o banquete pascal, o povo hebreu revivia, todos os anos, a libertação do Egipto e a sua constituição como “povo” em consequência dessa acção libertadora de Deus. Através desse rito pascal que consistia na imolação de um cordeiro, agradeciam também todas as outras intervenções salvíficas de Deus, ao longo dos séculos, e proclamavam a sua esperança na libertação definitiva».
A Segunda Leitura, proclamada a partir da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios, Versículos 23 a 26, anuncia-nos que a libertação definitiva prometida como esperança, já chegou: «O nosso Cordeiro Pascal que é Cristo, foi imolado»! (1 Cor 5,7). «Possuídos por essa certeza, desde o começo da Igreja os cristãos se reuniam para celebrar o Memorial do Sacrifício redentor de Cristo, a Eucaristia, por Ele instituída como Páscoa da Nova Aliança.
Ao celebrarem, porém, o Memorial da Morte do Senhor nem sempre os cristãos estavam unidos na caridade, como acontecia em Corinto, 25 anos após a morte do Senhor. Por isso, Paulo lhes lembra que a Eucaristia e a Igreja, o Corpo Sacramental e Corpo Místico, estão intimamente ligados. Uma Eucaristia celebrada entre divisões deixaria de ser sinal de união de todos os homens em Cristo».
De facto, para remediar os abusos, o Apóstolo recorda as circunstâncias da instituição da Eucaristia. É o relato mais antigo da Ceia do Senhor, de origem litúrgica, semelhante ao dos Sinópticos sobretudo ao de Lucas (Mt 26, 17.26-29.26.29.30; Mc 14, 1.22-26; Lc 22, 15-20.20), com variantes que refletem as tradições das comunidades de Jerusalém (Mt, Mc) e de Antioquia (Lc, Paulo). A fonte destas tradições remonta a Cristo (15, 3-5 nota). O sentido das suas palavras só pode ser compreendido à luz do AT (Ex 24, 6-8; Jr 31, 31-34). Fazei isto em memória de mim é repetido por Paulo depois da consagração do pão e do vinho, mencionado por Lc (22, 19) só depois da consagração do pão, e sem qualquer menção em Mateus e Marcos. Não significa apenas uma comemoração; é um memorial (Ex 12,14), uma evocação litúrgica que realiza o que recorda. Anuncia-se, proclama-se como facto actual e atuante, a morte do Senhor, na expetativa do seu regresso glorioso.
O Evangelista São João deseja mostrar como o ambiente próprio da Eucaristia é a Ágape, a refeição da caridade, e por isso mostra-nos o gesto radical dos escravos, o lava-pés dos seus Senhores. Eis Cristo, Servo dos Servos. Assim, pelo seu gesto, que constitui um dos momentos importantes da Ceia Pascal, Jesus manifesta-nos, concretamente, a Sua realidade de “Servo”, ou seja, a Sua humilhação, que atingirá o limite extremo na Cruz. Recorda-nos, na hora da Sua passagem para o Pai, onde está a essência da Sua doutrina. Manda aos seus discípulos que, como Ele e com Ele, estejam ao serviço humilde, generosos e eficaz dos irmãos. Lavar os pés significa ser servo de todos.
- Meus irmãos e minhas irmãs, esta celebração eucarística, coloca-nos perante aquela noite única da História da Salvação e da Humanidade, quando Cristo, no Cenáculo, rodeado pelos Apóstolos, instituiu a Eucaristia, o Sacerdócio Ministerial e nos confiou definitivamente o mandamento do Amor Fraterno.
Meditando na perícope «sabendo Jesus que chegara a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele que amava os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim», perante esta afirmação sentimo-nos inundados de paz, pela beleza de tanto Amor, pois esta afirmação significa que Jesus amou os Seus discípulos até à sua morte na cruz, logo no dia seguinte, ou seja, em Sexta Feira Santa, porém também significa um amor ao extremo, ou seja, no supremo e insuperável grau de amar. Por isso esta noite de Quinta Feira Santa, nos recorda o quanto fomos amados. O Filho de Deus, no Seu Amor por nós, não nos deu algo, mas doou-se a Si mesmo, o Seu corpo e o Seu sangue, isto é, todo o Seu ser, a totalidade da sua pessoa., Deste modo, a existência da Eucaristia só se entende, porque Cristo nos amou e quis estar perto dos seus discípulos, para sempre, ou seja, de cada um de nós, durante todos os séculos, até ao fim dos tempos. Somente um Deus Amor poderia conceder um dom tão grande, somente Ele, com o Seu Poder e Amor infinitos poderiam implantar a maravilha desta beleza, nesta presença.
Invocamos o Senhor, pela Eucaristia que a Igreja sempre considerou como Dom mais precioso com o qual foi enriquecida. É pela Eucaristia que Cristo caminha connosco como luz, força, alimento e apoio em todos os dias do nosso quotidiano, da nossa história.
Se a Eucaristia é o centro e o coração da vida da Igreja, deve ser também o centro e o coração de cada vida cristã. Quem acredita na presença real de Cristo na Eucaristia, jamais se sente só na vida. Ele sabe quer em cada Sacrário vivo, há alguém que conhece o seu nome e a sua história. Aquele que nos ama, espera e escuta de boa vontade. Diante do Tabernáculo cada um de nós, marcado pela luz da Fé, pode confiar o que tem e não tem no coração e receber o conforto, a força e a paz daquele que é o Senhor.
A Eucaristia é um Dom não só para se acreditar, mas para se viver , pois, sendo expressão de todo o Amor de Cristo, Ele pede-nos abertura aos outros, Amor Fraterno, saber perdoar e ajudar os que estão em dificuldades.
É um convite à Caridade, através de solidariedade, ao apoio mútuo, sem nunca abandonar ninguém. A Eucaristia apela-nos ao compromisso pró-ativo com os pobres, os sós, os sofredores, os marginalizados. Celebrar a Eucaristia, compromete-nos com o olhar de Cristo, reconhecendo o Seu rosto, no rosto dos nossos irmãos e irmãs, sobretudos dos mais feridos e necessitados. Eis-nos discípulos alimentados por Cristo: bons Samaritanos e Cireneus, discípulos Missionários da Esperança, que procuram, acolhem, cuidam, inserem, confiam e partem juntos para a Vinha do Senhor.
O segundo mistério que recordamos nesta celebração é a instituição do Sacerdócio Ministerial Católico. Cristo, o Sumo e eterno Sacerdote disse: “Façam isto”, ou seja, o Sacramento da Eucaristia, “em memória de mim”! Na noite de Domingo de Páscoa, três dias depois, Jesus também disse aos Apóstolos: «Àqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados e àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos».
Desta forma, Cristo irradiou para sempre todo o poder que o Pai lhe confiou. Assim, a Eucaristia e o Sacramento do perdão continuam a ser renovados pela Igreja. Deus é fiel, a promessa do Emanuel, concretiza-se nos sinais sacramentais da Eucaristia e do perdão: «Estarei convosco até ao fim dos tempos».
Permiti que conclua esta reflexão com um radical apelo à conversão: A noite que testemunha a mais alta manifestação de Amor é também a noite que testemunha a mais abjeta e horrorosa traição de Iscariotes. À volta da mesma mesa no Cenáculo, confrontam-se o Amor de Deus com a vil traição do homem. Por isso a Quinta Feira Santa é também um convite a fazermos um sério exame de consciência, e a reconhecermos os nossos próprios pecados. É afinal o colocarmos alguma ordem na nossa vida e iniciarmos o caminho do arrependimento e da renovação do nosso compromisso de vida cristã.
Que nos encontremos com a beleza da misericórdia de Deus, porque desse encontro floresce sempre a Páscoa gloriosa e florida em nossos corações. Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, Senhora do Cenáculo, rogai por nós.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
15 de abril, às 15h, na Catedral de Évora:
Homilia da celebração da Paixão do Senhor
1.Sexta-Feira Santa! Hoje, a Igreja já celebra o mistério da morte de Cristo com uma solene Liturgia da Palavra. Como dia de completo jejum, desde os inícios da Igreja, a Sexta Feira Santa nunca incluiu na sua vivência a celebração da Eucaristia. As leituras bíblicas seguem, segundo a ordem indicada por S. Justino, já no século II, as “Orações Solenes” ou “Oração Universal”.
No momento da celebração Eucarística, cumpre-se o rito da adoração da cruz, de origem jerosolimitana, pois já se realizava a adoração da cruz em Jerusalém desde o séc. IV, como atestam S. Cirilo, bispo daquela cidade e a peregrina Eteria no seu testemunho de peregrinação “Itinerarium”.
Conforme o uso romano, a celebração conclui com a comunhão Eucarística, distribuindo o corpo do Senhor consagrado em Quinta Feira Santa na Missa da Ceia do Senhor. Desde o Papa Inocêncio III (1198-1216), esta possibilidade de comunhão Eucarística era reservada somente ao Sacerdote Celebrante. Desde 1955, com a reforma da Semana Santa, levada a efeito pelo Papa Pio XII, tornou-se possível a comunhão a todos os fiéis.
- A Sexta Feira Santa, com a sua liturgia exprime a teologia da cruz, inspirada no Apóstolo S. João. Não é o dia do luto da Igreja, mas o dia de uma amorosa contemplação do sacrifício horrendo, fonte da nossa salvação. O especto da humilhação e da morte é sempre imprescindivelmente unido da ressurreição e da purificação de Cristo. É, pois, neste sentido, que é típica a expressão “Sexta-feira Santa” e “Santa Paixão do Senhor”. Esta teologia da Cruz Salvífica emerge dos textos bíblicos que constituem a Liturgia da Palavra e que acabamos de acolher em nossas vidas, com Fé e sede de Deus. Assim, no Quarto Cântico do Servo de Jahvé, Jesus realiza completamente a figura do Servo ao fazer a oblação da Sua vida na Cruz, pelos homens pecadores, para louvor e glória de Deus. Mas a Sua Morte tem como fruto a Vida, vivida com Ele, no Pai; o texto sacerdotal da Carta aos Hebreus proclama que Jesus, Filho de Deus feito homem, é o Sacerdote único da Nova Aliança. A oblação que Jesus faz de si mesmo na Cruz realizará para sempre a Aliança entre Deus e os homens; a descrição da Paixão segundo S. João o discípulo amado de Jesus, único que O acompanhou na Sua Paixão até ao fim: pôde, por isso, deixar testemunho de tudo o que ele próprio presenciou e, melhor do que qualquer outro, pôde penetrar no mistério que os acontecimentos iam revelando: diante do procurador romano, Jesus afirma que é Rei, mas que o seu Reino não é deste mundo; Jesus é o cordeiro que vai ser imolado, mas a quem não foi quebrado nenhum osso, como a lei prescrevia em relação ao cordeiro pascal; João é o único evangelista que faz referência à presença da Mãe de Jesus junto à Cruz e as palavras que o Senhor lhes dirige, a Ela e a ele, como num solene testamento de amor; ele é também quem faz menção da ferida que a lança abriu no lado de Jesus e da qual saiu Sangue e Água «sinais do Sacrifício e do Espírito». Em São João nada de trágico na Morte de Jesus, mas só a majestade serena daquela Hora que anuncia a passagem pascal deste mundo para o Pai no Reino da Glória.
Na Sexta-Feira da Paixão e morte do Senhor, observamos religiosamente o jejum, significativamente chamado de “pascale”. Conforme sugere a Constituição Sacrosanctum Concilium, do II Concilio do Vaticano, nº 110, este jejum deve ser guardado dentro da sobriedade possível até à Eucaristia da Vigília Pascal, e citamos: «de modo a chegar com ânimo elevado e aberto às alegrias de Domingo da Ressurreição».
O jejum de Sexta Feira Santa é sinal sacramental da participação no sacrifício de Cristo, pois «chegaram os dias em que o Esposo lhes será tirado» por isso, como refere o Evangelista S. Lucas (5, 33-35). «os discípulos jejuarão».
- Caríssimos irmãos, convido-vos a transfigurar as grandes cruzes da Humanidade e a encontrarmo-nos com Cristo em cada uma delas. Como não recordar nesta Sexta-Feira Santa a dor provocada por todas as guerras, autênticas feridas abertas no tecido da Humanidade?
Como não lamentar e não reparar o coração do Bom Deus, Criador e Pai de todos por massacres hediondos e perpetrados por cristãos contra Cristo, sem respeitar o apelo a tréguas pascais? Como não chorar com crianças e mães, com idosos e populações indefesas fugindo da morte, sem saber para onde nem porquê?
Unimo-nos aos desterrados, aos refugiados, aos sós no meio de muita gente, aos doentes, aos abandonados à indiferença, às famílias de luto, a todas as desumanidades e encontremos aí as gólgotas do século XXI, abraçando Cristo em cada ser humano despojado da sua dignidade.
O Apóstolo Paulo sintetiza a vivência desta Sexta-Feira Santa, afirmando: Amou-me e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gal 2,21). Amemos com o Amor com que somos amados, socorrendo-nos da Mãe da Igreja, como João, recolhamo-nos à sua intercessão e ao testemunho da Sua Fé, e como Ela, de pé, permaneçamos juntos, de modo comprometido e pró-ativo, junto das grandes dores e vazios da humanidade em nossos dias, vivendo, no dizer do Papa Francisco, uma guerra aos pedaços.
Porque sabemos em quem cremos, partamos para o quotidiano das nossas vidas com o compromisso de sermos Discípulos Missionários da Esperança.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora
16 de abril, às 21h30, na Catedral de Évora:
Homilia da Solene Vigília Pascal
- A morte foi vencida. Hoje, começa uma nova criação. Hoje, recebemos um novo sopro de vida, a ressurreição de Jesus Cristo é sempre dita no presente, é sempre actual, ultrapassa as limitações do espaço e do tempo, é meta-histórica, enche a História Universal de um novo significado, uma experiência pascal que designamos de salvação (eterna).
O mistério cristão de salvação possui, como acreditamos e sabemos, uma ligação umbilical com o acontecimento pascal. Esta constatação, que, entre nós, até pode parecer obvia, precisa de ser recordada com frequência, geração após geração, para não fazermos do cristianismo somente uma ideia filosófica, mais ou menos ajustada às coisas da terra, mas experimentamos através do encontro intimo . Porque o mistério pascal é a base e a coroa da nossa salvação, é nele que nos refazemos interiormente, refazendo a nossa liberdade interior, pois o Seu Amor por cada um de nós é sem limites.
Importa que nos deixemos surpreender pelo anúncio pascal. Contemplemo-lo como se fosse a primeira vez.
- O Evangelho não narra a ressurreição como um momento cronológico, uma vez que apresenta apenas os sinais do tumulo vazio e da explicação angélica para o que aconteceu, bem como a missão que isso acarreta para a vida dos cristãos que se encontram com esta nova realidade. Lucas pretende levar os seus leitores a fazer precisamente o mesmo caminho das mulheres; a cruz e a sepultura de Jesus conduzem necessariamente ao lugar onde Ele ficou depositado; é verdade que, várias vezes, Jesus tinha falado em ressurreição, mas os discípulos não compreendiam o significado de tais palavras (cf Lc, 18-34)
Lucas identifica os mensageiros como «dois homens com vestes resplandecentes» (Lc 24, 4; cf 9, 29). Esta característica leva-nos à transfiguração no Tabor, serve a Lucas para demonstrar a origem divina da mensagem: só Deus pode dar resposta à perplexidade humana diante da morte. À ressurreição de Jesus chega-se pelo anúncio e não pelo exercício dedutivo da razão humana. Assim acontecerá com Pedro e com os discípulos de Emaús que reconhecerão Jesus pelo anúncio e pelos sinais da sua presença (cf. Lc 24,13-35.36-49).
Jesus Cristo foi ressuscitado pelo poder do Pai e pelo Espírito Santo. O batismo e a eucaristia tornam-nos participantes da vida nova da Páscoa. Somos homens e mulheres ressuscitados. Podemos dirigir o coração para os Céus: “aspirai às coisas do alto (…) Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
Ao aceitarmos esta realidade essencial da nossa fé, e que hoje vamos renovar, tornamo-nos aspirantes às coisas do alto, às realidades espirituais e divinas. A linguagem pode ser equivoca, pois não estamos a separar, em modo dualista as coisas da terra e as coisas do alto. Não são mundos opostos ou mutuamente excluídos. A fé é pascal, ou seja, propõe-nos a inteira unificação de todas as dimensões da vida. A nossa meta desde agora, é a plenitude da vida, a vida eterna, de modo que, desde o Batismo nos é proposto viver como homens e mulheres ressuscitados.
Somos frutos da Páscoa, porque fomos mergulhados nas águas do batismo, porque estamos confirmados pelo dom espiritual mais sublime, e temos acesso a todos os demais Sacramentos, sobretudo porque somos alimentados pela Eucaristia, a presença viva do Ressuscitado. A experiência sacramental é sempre uma realidade pascal. Como diz S. Leão Magno: “O que no nosso Redentor era visível, passou para os seus sacramentos”, permanecendo os seus efeitos invisíveis. É a nossa participação no absolutamente outro da vida nova.
Assim celebramos o núcleo da nossa fé: Cristo vive; e quer-nos vivos! Nele se fazem novas todas as coisas: a luz, a água, o pão, o vinho, a mesa compartilhada, a alegria renovada e a esperança presente em todos os corações.
A experiência pascal é uma experiência comunitária, nunca uma experiência apenas individual. Por isso o anúncio pascal faz de nós Igreja em saída, Discípulos Missionários da Esperança. Impele-nos a festejar a fé a partir da comunicação, o “nós” eclesial. Esta espiritualidade do “nós” remete-nos para dois acontecimentos significativos: a caminhada sinodal em curso na Igreja Católica e a novidade da terceira edição típica, em português, do Missal Romano, que hoje utilizamos. É com estas alegrias que na perene juventude do Cristo Ressuscitado, caminhamos para a Páscoa.
Senhora nossa e Mãe do Ressuscitado, permanece connosco em Cenáculo e ensina-nos a confiar, para que certos das promessas do mestre, tenhamos a alegria de viver contigo a manhã de Pentecostes.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora